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sábado, 4 de dezembro de 2010

Porta de espelhos em tons de cinza

Acordava gritando toda noite. Não só gritando - se debatendo. Contorcia-se, batia os braços, praticamente pulava. Era como um peixe, mas com a diferença que gritava, sempre gritava. Antes de aprender a falar (e demorou!) ele gritava incoerências, gemia. Depois, tentava ser claro e específico: “O monstro! O monstro!”.

Os pais corriam a ele, cansados. “Não há monstro!” - abraçavam-lhe a cabeça - “Não há monstro! Só nós. É só o escuro.”. Ele tentava, mas tinha acabado de aprender a falar. O protesto morria na garganta. E fechava os olhos, abria-os, fechava de novo e chorava - não havia saída!

Ele cresceu. Os sonhos continuavam, mas ele não mais chamava os pais. Descobriu que quando se matava durante o dia, de estudar, de jogar futebol, de fazer qualquer coisa, ele não sonhava à noite. Virou o aluno número um da turma. Quando não estava estudando, estava malhando. Resultado: virou o queridinho das meninas da escola.

Fazia o tipo galã. Era inteligente, bonito - tinha cabelos lisos e, quando tirava os óculos escuros (que contribuíam para o charme), seus olhos pretos e profundos tinham certo encanto. Era tímido; aliás, recatado. Conversava, mas não dava espaço para intimidade. O cabelo estava constantemente bagunçado, pois odiava espelhos, assim como fotos. Substituia-as por desenhos meio abstratos, sempre trabalhados em tons de cinza.

Aos 17 anos, o encanto começou a se perder. Seguindo um conselho do mestre moderno da vida boêmia, começou a se envenenar. A cada festa eram latas e mais latas de cerveja, copos e mais copos de vodka, noites das quais não tinha uma lembrança sequer. E a madrugada o achava vomitando a porcariada dentro dele. Arrependia-se? Não: era sua terapia.

Aos 19 admitiu que tinha um problema. Saiu de casa, quebrou todos os espelhos que tinha, cortou o cabelo; nunca abandonou os óculos escuros. Tentou ganhar a vida como artista, vendeu alguns de seus desenhos em tons de cinza. Levava a vida aos trancos e barrancos.

Seu aniversário de 20 anos, ele passou internado em estado grave no hospital por overdose de remédios para dormir. Os monstros finalmente o haviam alcançado.

Desculpem a demora com a resposta de semana passada, mas já atualizei lá! Gente, quando eu lançar um desafio, pode comentar! Pode responder o que quiser, pode não responder, não se preocupem. Eu não mordo ninguém (só quem não comenta hahaha brincadeira =P)!