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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Porcos-Espinhos

- Não vai falar nada?

- Falar do quê?

- Vai ficar com essa cara aí e não vai falar nada?

- Não é nada.


- Ah, então ta. Cê que sabe.


- Aff...


- Que que foi?!


- Cê sabe o que foi!


- ...!


A briga começa; os gritos nervosos e já até incoerentes se sobrepõem aos pingos fortes da chuva que batem no vidro da janela. Dez minutos antes estava todo mundo rindo, todo mundo alegre e fazendo piada. E aí algo cruza a linha, toca num ponto sensível e pronto: sobem os espinhos.


A briga continua e evolui. Dos gritos, passa para batidas violentas da porta do carro, empurrões - tudo isso debaixo dos pingos grossos da chuva. Eles machucam, mas a briga e a raiva os distraem da dor. Os cabelos molhados colam-se ao rosto, a chuva mistura-se às lágrimas e a briga é encerrada: "eu odeio você!"
.

Cada um vira pra um lado; entram no carro, entram em casa, e a briga vai ficando para trás. A chuva engrossa - fantástico como as condições meteorológicas sabem se adequar ao nosso estado de espírito, não? - e quem estava em pose de guerreiro há pouco se encolhe na cama, a cabeça entre os joelhos em posição fetal. Inversamente, a bolinha de espinhos se abre e revela a parte rosada, carnuda e macia - frágil.


Lágrimas caem em sincronia com a chuva que agora toca uma sinfonia deprimente nas folhas. E é nesse ponto que um observador mais atento entende a diferença entre homem e porco-espinho. Para nós, a melhor defesa não é o ataque. Afinal, toda camada de espinhos só serve para proteger a carne macia e rosada de sangue, e
nossos espinhos perfuram dos dois lados.

E a chuva cai igualmente todo o tempo, independente dos espinhos ou da carne.


Tenho outro desafio pra vocês. Eu tirei do texto original uma linha, que explica a diferença entre homem e porco espinho. Semana que vem eu coloco, mas alguém se arrisca a me dizer a diferença antes disso? ^_^
Atualização de 04/12 às 15:34 - Coloquei a parte que faltava. Alguém tinha pensado nisso?
=D (Sim, eu sei que demorei. Desculpem.)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Digitais

O texto abaixo praticamente exala raiva, e eu sei que hoje é um dia de muita dor para algumas pessoas. Então não é certo que eu fique soltando raiva por aí. Não vou apagar o post, mas vou fazer algo pouco comum: postar dois textos num só dia.

“Nossas digitais não se apagam das vidas que tocamos”
O que fazemos é eterno em sua efemeridade
Em sua insignificância e em sua singularidade
As digitais não se apagam de onde esbarramos

A maior das digitais ainda assim não é visível
É fadada a não ser vista, a se manter no anonimato
Mas é o nosso único diferencial nato
Nossa singularidade realmente intransferível

E por ser assim tão única ela nos sentencia
A, ao contrário dela, fazer alguma diferença
Cumprir um papel tão singular

A despeito do quanto seja vazia,
Altera o local a nossa presença
Por menor que seja, algo irá mudar

Pois nossas digitais, a marca de quem somos,
Não se apagam, e mantém a lembrança de quem fomos.

Obs: o primeiro verso é do filme "Lembranças".
"Aqueles que amamos nunca nos deixam realmente".

Paráfrase

Tu que te orgulhas tanto de ser original
De ser diferente, de ir contra a corrente
De ter algo a dizer num mundo tão vazio

Tu, que olha teus ídolos como heróis, como deuses,
Mais ainda, como modelos
A serem seguidos incondicionalmente e fielmente

Revives suas vidas, não?
Repetes suas palavras,
Faz tuas as suas convicções
Adaptas suas histórias à tua realidade
Distorce seus princípios e os transforma em religião
E mexes tão pouco quanto possível
Em tão exímias ações, em tão perfeitos exemplos

Pois para! Abre os olhos
E posta-te frente ao espelho!
Pega tua argila e molda-a às formas de tuas mãos
E nenhuma outra
Veja o mundo através dos teus olhos e nenhum outro
Grita tuas palavras, em tua voz, em tua língua e teu sotaque.

Descobre quem és, e o seja, ou nunca serás mais do que uma paráfrase.


Eu não ia postar esse texto, porque, depois que a raiva passou, eu entendi que é apenas natural esse comportamento. Afinal de contas...!
Mas você precisa urgentemente de um tapa na cara que sirva para te acordar. E, sinceramente, estou sem paciência.