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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Cuide-se

Não
Como em tão pouca letra cabe tanto sentir?
Tão pequena palavra que explode o coração –
Na-não, na-não, na-não

"Não és bom o bastante" – abriram-se as chagas
Sente o sangue fluir
Coagula, não cura
Pois pra se reabrir, basta um olhar
Ver tomarem a vaga que devia ser sua
E não é.

E a bile cor de inveja
Derrama-se em cada ferida
Ardendo, corroendo,
Em conflito co'a educação.

Ah! É tão pequena a palavra
Que explode o coração.

(o título do poema foi baseado na obra Prenez soin de vous, da artista francesa Sophie Calle, e inspirado pelo blog Tomás German like Sophie)

Poema de 18 de abril de 2011

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Equilíbrio dinâmico

Roda a roda e não vai a lugar algum. Sempre lá, repetindo para sempre o mesmo movimento, presa a seu eixo, sem sequer decidir seu próprio trajeto. Ela roda, apoia, freia, derrapa, se desgasta, às vezes fura. Mas continua rodando sem sair do lugar.

Isso não quer dizer que o movimento é em vão. A roda deixa sua marca no asfalto, o asfalto deixa sua marca na roda. O ônibus se desloca, e como! E a paisagem do lado de fora das janelas muda gradativamente. Pessoas sobem, pessoas descem, nem mesmo o trocador e motorista permanecem. E as rodas lá, rodando.

Elas ligam pra quem sobe e quem desce? Não. Nem um pouco, na verdade. Elas só sabem uma coisa ou outra. Por exemplo, que quando tem muita gente é mais difícil. Fica mais pesado, elas se desgastam mais. E quando tem menos gente é mais tranquilo, mas não tem tanta graça. Não tem o burburinho de conversa, o barulho de vida, nenhum movimento além do seu próprio rodar.

Não é como se o importante fosse quantidade e não qualidade. E também não é como se houvesse uma competição de qual passageiro é melhor. É que eles são justamente isso: passageiros. É preciso saber disso e ter certo desapego. Eles só sobem porque pretendem descer em algum lugar mais pra frente. E quando descerem, outros entrarão, só para saírem dali a tantos metros.

É um ciclo que vai se repetindo sempre, assim como as rodas, que, permanentes, vão rodando.

domingo, 3 de abril de 2011

Aquário de Paguros

Paguros são bichinhos pequenos e insignificantes da fauna marinha cuja maior realização é serem estudados por alunos de segundo ano que viajam para o litoral a fim de aprender biologia marinha. São pequenos caranguejos, tão pequenos que cabem na ponta do dedo, e vivem em conchas abandonadas de outros animais.

O objetivo da concha, obviamente, é proteção. Quando os tais alunos que estudam biologia marinha tiram-nos das pedras em que costumam ficar, na beira da praia, eles recolhem suas minúsculas patinhas para dentro das conchas, em pânico. O resultado é que eles ficam parecendo pedrinhas que causam uma vontade enorme de dar-lhes um peteleco. Quando se vê só a concha, é fácil esquecer-se do bichinho mole lá dentro.

Dois anos atrás eu viajei para o litoral a fim de estudar biologia marinha. Quando fui apresentada aos paguros, fiquei fascinada. Eles eram tão bonitinhos e agradáveis subindo pelos meus braços com as patinhas de fora! Eu gostei tanto que cheguei até a pensar em ter um aquário deles.

Não tenho. Em parte porque daria muito trabalho, mas principalmente porque tenho percebido, de uns tempos pra cá, que trouxe comigo vários paguros. Sempre estive rodeada por uma espécie diferente deles, com uma concha especial, e de tempos em tempos encontro um novo no meio do meu dia a dia. Quando os descubro, me arrependo de todos os petelecos que eles já tomaram de mim.

Se eles se arriscassem a por as patinhas para fora, ou mesmo a abandonar as conchas, talvez fosse mais fácil identificá-los. Mas eles não querem ser identificados. Eles têm medo, eu acho, e alguns se convencem de que são, realmente, bichinhos insignificantes. Esses, pra mim, são os mais lindos. É pena que entram em conchas tão diferentes de si mesmos que dificilmente tenho chance de vê-los.