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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Pupilas dilatadas

Cá estou eu de novo, depois de uma ausência insensível (ou não) e longa. Desde a última vez em que eu estive aqui, algumas coisas aconteceram. Listemo-as:
1. Passei na Federal.
2. Viajei pra João Pessoa.
3. O blog fez aniversário de um ano (ainda tô pensando num jeito de comemorar!)
4. Aproveitei minhas férias.
Ou seja, estive ocupada, além de ter tido um baita bloqueio. De qualquer forma, estou de volta. Ao texto!

Pupilas Dilatadas

Ela ouviu passos no começo da rua. Com um "merda" abafado pelo cachecol, apagou o cigarro no muro atrás de si e o jogou na calçada. Eram mais de três horas da manhã e aquela rua era sem saída. Não era pra ter ninguém por ali.

Estava escuro, então ela não fazia ideia de quem estava se aproximando. O nevoeiro denso que se instalara na cidade havia alguns dias também não ajudava. Aliás, por um lado ajudava, porque ela também ficava oculta, mas por outro lado ela não via quem se aproximava. Não via nada ao seu redor, na verdade.

Os passos ficaram mais altos e um corpo emergiu da escuridão. Alto, meio gordinho por causa do casaco. Ela conhecia aquele rosto, e se aliviou um pouco.

Ele não disse nada. Apoiou-se no muro, ao lado dela, e estendeu a mão.

- Dá um cigarro. – foi a sua resposta ao olhar confuso que a menina lhe lançou.

Ela enfiou a mão no bolso do casaco e puxou o maço e o isqueiro. Acendeu dois cigarros: um para ela, um para ele. Os dois não falaram nada. A fumaça que sopravam misturava-se à neblina cada vez mais espessa.

Quando a garota estava quase invisível ao seu lado, ele falou:

- Sumiu da escola.

- Não vou voltar. – a voz da menina veio de um lugar distante, ou estava muito fraca.

Ele deu um trago no cigarro e soprou a fumaça. Observou enquanto ela saía pelo seu nariz e percebeu que a névoa começava a se dissipar. Virou o rosto para o lado e encarou o vulto da menina.

- Não é do teu feitio fugir da raia. – provocou. Ele ouviu a garota bufar.

O vulto sumiu na neblina de novo.

- Quem te disse que to fugindo?

- Você certamente não. – ele encarou o lugar onde sabia que a garota estava. – Você só sumiu. Sem explicar nada.

Ela não respondeu. Os dois mergulharam em silêncio de novo. Ele baixou os olhos para onde estaria a calçada e tentou fazer anéis de fumaça. Ela fungava de vez em quando.

- Como foi que você me achou? – ela perguntou. Ele ergueu o rosto da calçada e encarou o vulto.

- Eu via tua cara antes de você sair da escola. Se fosse fugir, tinha que ser pra uma rua dessas.

- É onde eu estou, não é? Num beco sem saída. – ele conseguia discernir partes do rosto dela, agora, como o nariz e os olhos, que não estavam ocultos pelo cachecol. Ele praticamente via o nevoeiro se dissipar.

- Expressão engraçada, "beco sem saída". – sua voz assumiu um tom solene e ele puxou o cigarro da boca, segurando-o nos dedos. – Quer dizer, pode até não levar a lugar nenhum, mas que tem saída, tem.

Ele via o rosto da garota muito bem agora, e pôde notar seus olhos arregalados em sua direção, esperando pelo final da frase.

- É só dar meia volta.

Ela baixou o olhar para a calçada e a névoa voltou a engrossar. Antes que engolisse a garota, contudo, ela tornou a diminuir até dissolver-se por completo.

Ele podia ver o rosto da menina, virado em sua direção, com clareza. Tanta clareza que era capaz de discernir duas emoções em seus olhos: vergonha e pânico.

Em um movimento, ela puxou a mão dele e a colocou em sua barriga. O contato foi breve. Em questão de segundos ele se lembrou do que ainda segurava entre os dedos e o jogou no chão.

- Sabe, se você continuar se rendendo a isso, ele vai acabar com você. – ele pisou no cigarro. O silêncio se seguiu àquilo, mas pelo menos a névoa havia ido embora.

- Teu pai não tá puto contigo. – ele encarou a menina. – Por ter largado a escola.

- É? Mas eu estou. – a resposta veio seca e trêmula.

- Por isso que tá aqui?

Ela bufou e bateu o pé no muro com força.

- Não. Saí porque to aqui. Porque não importa em que droga de lugar eu esteja, eu me sinto sempre aqui!

Ele foi delicado o bastante para ignorar as lágrimas que caíam pelo rosto dela. Imaginou se o nevoeiro voltaria; achava que sim.

- Meu pai largou a escola. – ele não estava olhando para ela quando disse isso: encarava o final da rua. – Não sei por quê. E hoje ele é um grande empresário. Deu três vezes mais trabalho e o risco foi muito maior, mas deu certo.

Ele pegou a menina pelo pulso enquanto falava e a puxou até o fim da rua. Lá estava muito mais escuro do que qualquer outro lugar, então ele não viu a expressão de pânico e mágoa no rosto dela.

Soltou seu braço e se abaixou. Estava de fato muito escuro ali, e ele teve que confiar apenas no tato até as pupilas se dilatarem. Por fim achou o que procurava.

Fez sinal para que a menina se abaixasse. Ela o fez, com o cigarro pendendo debilmente entre os lábios. Suas pupilas ainda não estavam dilatadas, então ela não viu o buraco. Olhou para o rosto dele na penumbra exigindo uma explicação.

- Tem um buraco no muro. – ele apontou, e então, com esforço, ela viu. Sua boca se abriu de surpresa e o cigarro caiu sem que ela notasse.

- É um pouco estreito e você provavelmente se arranharia, mas com esforço dá pra passar. – continuou, avaliando o tamanho. Ele conseguiu espremer os dois ombros, mas não passou para o outro lado. Retrocedeu e olhou para a menina. – Agora vamos pra casa?

Ela assentiu. Os dois se levantaram e começaram a caminhar a passos lentos na direção do começo da rua. No meio do caminho havia uma lixeira. Ela parou, jogou o maço de cigarros dentro dela e retomou a caminhada.