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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Voltei! (Mudei?)

Pois é, depois de um inverno longo e digno da família Stark, estou de volta. E de cara (e nome!) novos!  Meu retorno, porém, não é uma promessa. Não prometo escrever regularmente, não prometo escrever bem, não prometo fazer sentido com o que escrever. Não prometo nada!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Noites Insones II

A noite nunca foi tão silenciosa. Alguns carros de motores barulhentos passam na avenida esporadicamente, os aparelhos ligados nas tomadas fazem um zumbido ensurdecedor e vez ou outra o gato (do vizinho?) mia para a noite. Mas, em essência, a noite é silenciosa.

E isso porque em minha cabeça reina o silêncio. Lá dentro não há anda além de um breu absoluto e o silêncio que ecoa. A santa paz, talvez? Não. Ainda não há paz. Porque o silêncio e o breu roubam tudo o que poderia haver.

Trazem consigo, porém, uma coisa: agonia. Agonia que me pressiona e comprime, que aperta o meu peito até que eu não possa respirar. Eu luto por ar, mas nunca parecer haver bastante espaço para mim, e o vazio e o nada apertam-se em meu peito. Roubam meu espaço, pressionam-me mais. E eu não tenho a quem recorrer.

A pressão da agonia e do vazio é tanta, e o espaço é tão pouco, que me sinto imobilizada. E então rolo e rolo na cama para impedir que isso se consolide. Reviro-me inteira, em desespero de afastar a agonia que me toma. Meu estômago dói, e desejo que assim seja até de manhã. Uma desculpa para não me levantar da cama; para concentrar todas as minhas forças em eliminar minha agonia, e não apenas ignorá-la.

Talvez fosse melhor me levantar, me mover e vencer o sentimento de estar imobilizada. Talvez a agonia só possa ser eliminada por inanição, e ignorá-la e esquecê-la nos desdobramentos da vida seja o único jeito. Afinal, de onde vem essa agonia: Dessa sensação de morte em vida.

"A cada hora que passa envelhecemos dez semanas": Renato tinha razão. Estou envelhecendo a um ritmo angustiante de tão rápido. E, nesse contexto, por envelhecer quero dizer que definho.

18/10/2011

domingo, 6 de novembro de 2011

Noites Insones I

E o que é que eu faço com essa inquietude? Com esses sentimentos que me reviram e desviram em cima do colchão? A noite nunca foi tão barulhenta; carros na avenida vinte e quatro metros abaixo de mim; a tosse no quarto do lado, os saltos da vizinha no andar de cima que acaba de chegar. Apitos e mais apitos; da geladeira, da lava-louças, do celular da minha irmã no quarto ao lado. Os ruídos são tantos que cessam, mas continuam. E continuam porque minha cabeça os forja para preencher o silêncio.

Mas que silêncio, se os meus pensamentos não me dão paz? Se mesmo depois de terminar seu longo monólogo, minha mente não sossega e o reinicia. E eu volto ao estado inicial, que me traz mais horas passadas em constante movimento inquieto. Dessa vez me roubaram uma hora, assim, na cara dura (esse maldito horário de verão!); ou seja: o domingo será um desastre ainda maior do que o esperado.
 
Preciso dormir. Sinto isso em cada parte do meu corpo e em especial em minhas pálpebras pesadas. Mas quem disse que consigo? Esses pensamentos saídos nem Deus sabe de onde não me deixam. E ah! São tantos barulhos lá fora! Tantos que quero colocar isolamento acústico nas janelas e na porta, ou comprar um par de abafadores para mim. Mas em nada adiantaria. Silêncio em meus ouvidos apenas aumentaria o falatório infindável em minha mente, sobre o qual eu não tenho controle. E ele continua, trazendo lembranças, questionamentos, remorsos... Tudo o que, combinado, resulta numa inquietação de proporções monumentais.
 
Os Heróis da Resistência uma vez cantaram: "depois de muito tempo eu durmo em paz, que eu já não tenho tanto pra esquecer." Ah, como aguardo o dia em que a minha voz poderá entoar essa canção e eu poderei fazer coro a tais versos!

17/10/2010

sábado, 22 de outubro de 2011

Deveria bastar?

- Oi, oi, espera!

Ela se virou, levemente curiosa, mas nada mais. O garoto estava respirando um pouco descompassadamente e olhava para ela com intensidade. Ela sentiu um impulso de afastar o rosto e erguer a sobrancelha, e lutou contra ele. O coitado do garoto não lhe fizera nada.

- Pois não? – não conseguiu evitar que a voz saísse irônica. Já era hábito.

O garoto pareceu não notar a ironia, ou ignorá-la. Estendeu a mão. Segurava um quadradinho amarelo.

- Eu queria que você ficasse com isso.

Ela olhou para baixo para examinar o quadradinho. Não demorou a reconhecê-lo como um cartucho de Game Boy Color – Pokémon Yellow. Seu estômago afundou quando a imagem que corria pela internet lhe veio à mente – um print screen de um grupo de 6 pokémons chamados "Você", "quer", "sair", "comigo", "?". Ela achara a ideia linda quando vira a foto, mas agora entrava em pânico enquanto encarava o pequeno quadrado amarelo.

- Não. Não, não, não, não, não! – sem olhar no rosto do garoto, saiu correndo apressada por entre os corredores da vídeo-locadora, sua voz ficando mais esganiçada cada vez que ela repetia a palavra.

Ele a alcançou assim que ela saiu para a rua.

- Por que não?!

- Você nem me conhece! – ela se virou para trás, dessa vez olhando no rosto do garoto para que ele entendesse que ela falava sério. Ele estava exasperadamente calmo.

- Eu sei. Mas eu falei com uma...

Antes de ele terminar de falar, ele sabia que ela havia falado com uma vidente, e que a adivinha os tinha apontado como almas gêmeas. E, de alguma forma, ela sabia que era verdade.

Seu coração se apertou, em negação. Não queria aquilo, nada daquilo. Não queria uma alma gêmea, não queria estar ligada àquele garoto que sequer conhecia. Mas ele não fizera nada para ela – mas ela não queria, não o conhecia e não queria conhecer.

Era ele na porta de seu prédio, ela sabia. O porteiro dissera ao interfone "um garoto com uma cesta enorme". Só podia ser ele. Ela desceu, a contragosto, apenas pela noção de responsabilidade, com o coração mais apertado a cada andar que o elevador descia.

Era ele.

Seu porteiro a desencorajou. Ela mal ouviu suas palavras. Atravessou o hall decidida, apesar da dor no coração, e saiu para a rua.

Ele tinha um sorriso enorme no rosto e estendeu a cesta.

- Pra você.

- Não quero.

O rosto dele nunca se abalava, não importava o quanto ela negasse. Ela se virou para não ter que encarar seu sorriso e começou a entrar no prédio.

Ele a chamou pelo nome.

Como ele sabia?

Ele não explicou. Convidou-a para um passeio. Seu porteiro a desencorajou de novo. Ela ignorou de novo. Concordou com o passeio, contanto que ele desistisse da cesta. Ele a pousou na calçada. Os dois começaram a caminhar; primeiro em silêncio, aquele silêncio inquieto de quem tem muito a dizer, aquele silêncio pesado de quem tem muito a ouvir.

Ela sentia que ele esperava pelas suas palavras, mas não conseguia falar nada. Seu coração apertado batia em sua garganta, roubando-lhe a voz. Olhou para ele, pedindo ajuda, e ele sorriu, sabendo que um dos muros que ela havia construído entre eles havia caído.

Em pouco tempo (pouco? O sol discordava) estavam de volta à porta do prédio. A cesta ainda estava no mesmo lugar. O porteiro já tinha ido embora.

Ele olhou para ela. Seu coração doía mais do que nunca. Sentia-o comprimido, pressionado pela intensidade do olhar do garoto à sua frente. Desviou os próprios olhos, encarou o chão, e sentiu-o se afastar. Ergueu os olhos de novo para vê-lo atravessando a rua, indo embora.

O nome escapou-lhe aos lábios antes que ela soubesse como o sabia.

Ele parou ali, no meio da rua, e olhou para trás. Pela primeira vez, seu rosto estava abalado.

Ela foi até ele quase correndo. A intensidade no olhar dele se fora e isso a enchera de urgência.

Ela engoliu forte para devolver o coração ao peito e reuniu coragem.

- Não daria certo. – falou num fôlego só. Ele se aproximou um passo e ela repetiu seu nome, como advertência. – Não pode dar certo, porque...

Por quê? Eles terminaram de atravessar a rua em silêncio enquanto ela lutava em sua mente para responder a essa questão. Por quê? Antes era porque não o conhecia. Mas acabara conhecendo-o, não fora? E tinha gostado de conhecê-lo. Ele a divertira e a fizera rir, ele não desistira dela quando ela mandara que o fizesse, e ele claramente a amava.

Ela gostara do pequeno passeio, e havia uma cumplicidade inegável entre os dois. Mas ambos diferiam em alguma coisa, em algum ponto crucial. Ele abraçara o que acreditava ser o destino dos dois. Ela repudiava aquela ideia, contestara-a desde o princípio.

Ela procurou-o com o olhar, talvez apenas para encará-lo, talvez para falar tudo o que sentia. Mas não o achou. De repente a rua estava cheia de gente, lotada, e uma música estourava caixas de som. Ela procurou-o na multidão sem saber por quê. Sentia que as pessoas a empurravam em direções opostas, como ondas num mar revolto.

Não era só o coração que ela sentia apertado, agora. Tentou sair da multidão, queria chegar em casa e esquecer aquele dia tão prazerosamente horrível. Abriu caminho na multidão como se nadasse, sem nunca conseguir alcançar a margem. Todos queriam cumprimentá-la, apertar sua mão, apoiar sua escolha, parabenizá-la, criticá-la, dizer que era tola, que aquilo deveria ter bastado.

Ela fechou os olhos com força e gritou, gritou que queria sair dali, que não queria nada daquilo, que não queria jogo nenhum, cesta nenhuma. Ouviu a voz de seus pais dizendo que fora a síndica que mandara, que não podia ficar jogada em qualquer canto do prédio.

Ela abriu os olhos. Tinha conseguido chegar em casa; estava em seu apartamento de frente para seus pais. A cesta estava entre eles.

- Não era pra trazer isso pra cá! – gritou, esganiçada. Seus pais se justificaram de novo – a síndica mandou, a síndica quis. Sem dizer palavra, agarrou a cesta pela alça e saiu de casa, tomou o elevador e apertou o 12. O elevador parou no 9; ela apertou o botão de novo, mas a luz sequer se acendeu.

Ela socou o botão, exasperada, mas o elevador zombava dela, não obedecia. Apertou o 8, ele foi para o 3; apertou a garagem, ele foi para o 12. A porta não abriu.

Ela gritou, em desespero, a dor sempre-presente no coração sufocando-a; minando suas forças, deixando-a encolhida e frágil no chão do elevador.

Acordou do sonho como quem acha a superfície depois de se afogar. Não sabia onde estava, sua respiração estava descompassada, seus olhos, muito abertos, e ela ouvia o pulsar de seu coração em seus ouvidos.

Levantou-se. A blusa colava no seu corpo suado. Um raio de luz entrava pelas cortinas entreabertas. Ela foi até a janela. Estava escurecendo.

O que tinha sido aquilo? O sonho se esvanecia com a rapidez com que o sol se punha. Ela tentou reter as lembranças, mas já estava escuro antes de ela conseguir reconstruir a história. Rendeu-se. Foi até o banheiro e fitou sua imagem no espelho. Um único pensamento passou pela sua cabeça: deveria bastar?

Seu coração se apertou.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Por não ser um ser bruto

Ela lutou contra a vontade de chorar até estar debaixo da ducha do chuveiro. Assim que a água quente escorreu pelo seu corpo nu, e ela sentiu o arrepio do choque térmico, as lágrimas, como se seguissem o exemplo, escorreram pelo rosto contorcido, desnudado e sincero em sua dor.

Sentia-se fraca, como havia muito não se sentia. Os joelhos tremiam, a respiração fraquejava e os ombros balançavam com os soluços incontidos. Era curioso como ela mantinha tudo aquilo no peito durante semanas, se fosse preciso, e não conseguia conter um único soluço que fosse quando estava naquele refúgio.

Riu-se, em meio ao choro, da ironia da coisa. Ali, abraçando a si mesma, encolhida debaixo da água como um animal acuado, era onde se sentia mais protegida e segura. Totalmente exposta e, portanto, vulnerável ao máximo, era apenas ali que ela se sentia confortável o bastante para deixar suas defesas caírem, como as roupas caídas no chão do banheiro, e se revelar por inteiro.

Não. Não era só ali. Ela ouviu o eco da sua risada, rouco e estrangeiro, nas paredes do banheiro enquanto um novo soluço sacudia-lhe o corpo. Havia um único lugar - lugar? - em que ela sentia aquele conforto que a levava a chorar, mas ela jamais voltaria a avistá-lo. Ele estava fora de alcance agora, sempre.

Desejou poder encontrá-lo. Desejou com todas as forças, refez o caminho mentalmente, mas era inútil e ela sabia. Deixou a cabeça tombar para trás e a água quente molhar seus cabelos. A sensação era boa, era completa. De olhos fechados, ela massageou os ombros para desfazer os nós e tentou não pensar.

Quando os soluços pararam e seus joelhos se firmaram, ela, com uma respiração longa, lenta e profunda, desligou o chuveiro, passou a mão na toalha e envolveu seu corpo, saindo do box. Instantaneamente, suas lágrimas cessaram. Com o vapor quente escapando depressa pela janela aberta, o banheiro estava enregelante. Ela sentiu os joelhos fraquejarem e quis se sentar.

- Você pode fazer isso sozinha. - encorajou a si mesma. - Você já sabe todas as palavras de cor, mesmo.

Dando um passo para fora do tapete, pisando no chão frio, ela se postou em frente ao espelho e, por uma fração de segundo, encarou seus olhos - tão seus, tão conhecidos e, subitamente, tão diferentes. No fundo daquelas pupilas verdes que conhecia já havia anos havia algo novo; um caminho desconhecido, a janela para uma outra alma estranhamente familiar. 

Sentiu as lágrimas equilibrarem-se perigosamente em suas pálpebras ao re-conhecer-se no espelho. Seu coração inflou-se de repente, apertando seu peito por dentro de uma maneira calorosa, para poder acomodar melhor o que sentia. 

De fato, ela podia lidar com aquilo sozinha. E a melhor prova era que ela mesma havia se convencido daquilo. Mirou-se novamente no espelho , tentando aprender e apreender cada detalhe do rosto - seu rosto! - que a encarava, as rugas na testa, o queixo erguido, a forma como os lábios se franziam.

Encarou seus olhos mais uma vez. Ainda eram seus, tão seus quanto sempre foram, mas ela encontrou de novo aquele algo mais, o caminho para aquele lugar que, de tanto procurar, acabara guardando dentro de si mesma. Sorriu e recitou para si mesma o velho provérbio chinês - eu ouço e esqueço, eu vejo e me lembro, eu faço e aprendo - que nunca entendera e nunca fora tão verdadeiro quanto naquele momento.

Com passos firmes, ela saiu do banheiro, percebendo pela primeira vez como aquela toalha era curta.

(26/07/2011)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Para os muitos Yoshis por aí

Te vi andando na rua outro dia, mas você não me viu. Eu estava de um lado da calçada e você do outro, acho que foi por isso. E você estava no celular, também, discutindo alguma coisa importante. Eu acho que era importante, pelo menos, porque você estava com aquela ruga entre as sobrancelhas que só aparece quando você está falando de algo importante. Pensei em acenar pra você, mas achei melhor não. Você não ia ver. E você estava no celular.

Fiquei feliz de te ver. Você está mudado. Cortou o cabelo e desistiu daquele bigode que, desculpa a sinceridade, estava meio ridículo. Gostei mais assim. Acho. Achei que gostaria. Achei estranho te ver com aquele uniforme também. Meio surreal, meio imaginário. Não estava esperando te ver tão grande.

Queria que você não estivesse no celular. Queria que você tivesse me visto, agora que eu estava até bem arrumadinha, voltando da faculdade. Lembra da última vez em que a gente se viu? Foi lá em casa, um tempo atrás. Você veio visitar meus pais – claro que não vinha me visitar -, falar que vocês iam ser colegas de profissão, pedir dicas e esse tipo de coisa. Foi logo depois de sair o resultado do seu vestibular. Do segundo. Veio sozinho, sem o seu pai, apesar de que tinha anos que os meus pais não te viam. E que a gente não se via.

Não sei se você lembra, mas eu fiquei discretamente com os braços na frente do corpo o tempo inteiro. É que eu estava usando uma camiseta do Paramore e não sabia o que você achava da banda. Não queria que você me achasse ridícula. Não muito, pelo menos. Acho que ridícula você já me achava desde o dia em que eu briguei com você e comecei a chorar sem te dar a menor explicação. Eu tinha doze anos na época e era a maior chorona, mas você era paciente.

No dia que você foi lá em casa você já estava distante. Eu te dei um abraço pra te dar os parabéns por ter passado e foi rápido, mas eu percebi que você tinha um cheiro. Uma mistura de sabonete, loção pós-barba e jogo de Super Nintendo. Tudo bem, talvez eu tenha imaginado o cheiro do jogo de Super Nintendo. Você sabe de qual cheiro eu estou falando, não é? Aquele típico, de quando a gente tirava os cartuchos da caixa quando você ia lá em casa. Até hoje eu não sei de onde ele vinha, pra mim é cheiro de jogo de Super Nintendo e ponto.

Ainda tenho os cartuchos. E eles estão exatamente no ponto em que você deixou. Nunca fui muito boa com videogames, apesar de adorar. Acho que era por isso que eu te chamava tanto pra jogar comigo. Eu precisava de alguém pra destravar as fases pra mim, pelo menos no começo. Depois eu comecei a te chamar porque era divertido. E você começou a vir sem ser chamado.

Você era meu melhor amigo e eu te admirava. Você era legal, era inteligente, era mais velho, sabia muito de videogames. Você era, de certa forma, tudo o que eu queria ser. E você tinha paciência comigo, com a minha adoração irrefreável, com as crises de choro de uma criança de sete anos e, mais tarde, com as bipolaridades de uma garota começando a entrar na adolescência com uma queda monumental pelo melhor amigo. Você agüentava meus ataques gratuitos, meus surtos de ciúmes infundados, minha fria indiferença quando eu cismava que, por você não ver que eu estava apaixonada por você, eu tinha o direito de descontar minha frustração em cima de você.

Mas você via. É claro que via! Via e, pensando no meu bem, fingia que não via pra não ter que me pedir pra parar com aquilo e criar algo estranho entre nós. Você sempre foi gentil comigo, meu amigo até o final. E é justamente por isso que eu me esforcei para não te perdoar por ter desaparecido. Não vi quando foi, só quando já tinha sido. Percebi porque minha mãe, fazendo limpeza nos armários, encontrou meu Super Nintendo, que a gente já tinha abandonado muito antes de se abandonar, mas que eu continuava associando a você. E de repente a sua ausência se fez presente, e muito.

E eu fiquei tão frustrada, e magoada, e ressentida por você simplesmente ter ido embora, que fiz um monte de besteira, uma atrás da outra. E a situação foi se complicando e eu fui me encaminhando para os piores meses da minha vida. E tive que passar por eles sozinha, porque você tinha desaparecido. Mas eu aprendi a viver com a sua ausência. Sua memória passou a me bastar e, depois daqueles meses infernais, os anos que se seguiram foram tempos de calmaria. Mudei; cresci; enquanto você, em algum lugar da cidade, fazia o mesmo, separado de mim. Mas eu cresci com um você, um você Frankstein que eu havia criado costurando remendos de lembranças que eu tinha de você.

No dia que você foi lá em casa, eu fiquei na sala todo o tempo em que você esteve lá. Não reparei que o você que estava ali, de carne e osso, já era diferente do você que eu havia criado para suportar sua ausência. Eu conversei com você como conversava às vezes com a minha memória, e disse a mim mesma que não percebia que suas respostas eram diferentes das que eu costumava responder por você em minha imaginação. Eu deixei você tomar a última Coca da geladeira e desliguei o meu computador antes de sair do quarto. Eu devia realmente gostar muito de você.

Te vi andando na rua outro dia, e de repente comecei a pensar nisso tudo. E, à medida que pensava, minha vontade de te chamar foi ficando cada vez menor. Você nunca quis terminar aqueles jogos, nem pensou que talvez eu precisasse de ajuda para terminá-los. Você não me chamou nenhuma vez, em todos aqueles anos. Quantas vezes aquela mesma situação já podia ter se repetido ao contrário, você no meu lado da calçada e eu resolvendo algum problema importante? Aposto que você me viu passando na rua um monte de vezes, com o meu celular grudado na orelha ou os meus fones afundados no ouvido, e nunca me chamou.

Então eu disse pra mim mesma que você não me viu porque estava no celular, e continuei andando. Descobri que gosto mais do seu bigode porque, quando você foi lá em casa, eu substituí o você de quinze anos que eu tinha visto pela última vez pelo você de dezenove com bigode, e não quero ter que atualizar a imagem de novo.

Não quero substituir mais nada. Não quero aceitar racionalmente que não precisava ter ficado preocupada com a minha camiseta, porque você não a veria – você mal me viu, mas eu não quero aceitar isso. Não quero conhecer esse novo você, porque sei que vai ser uma pessoa muito diferente do você que eu conheço e – sim, ainda – amo. Talvez isso seja um pouco autodestrutivo, ficar insistindo nesse sentimento tão Platônico que o próprio Platão não entenderia: amo alguém que não existe mais, talvez nem tenha existido! Nada pode ser mais autodestrutivo que isso.

Mas eu preciso disso. Eu preciso dessa pequena fantasia pra me ajudar a levar os dias muito secos, assim como quando eu criei esse você fantasma para me ajudar a superar aqueles meses ruins. Até eu encontrar uma maneira melhor, algo real, esse meu pequeno lapso de insanidade é o que me impede de mergulhar de vez na loucura. Enquanto eu não confundir o meu você com o seu você, eu não tenho com o que me preocupar.
E naquele outro dia, porque eu observava as suas costas se afastarem pela rua cheia, o celular ainda grudado na orelha, meu coração ficou subitamente mais leve.


Esse texto, bastante para o meu desapontamento, é quase todo ficcional. Apesar de algumas coisas terem sido extraídas de fatos verídicos (por exemplo: eu era uma chorona com 12 anos, eu de fato tenho uma camisa do Paramore e eu guardo meu Super Nintendo com carinho e amor até hoje), a maior parte dele é apenas uma maneira de "me ajudar a levar os dias muito secos". Eu não tenho nenhum melhor amigo de infância pelo qual fui apaixonada (apesar de que tive um amigo quando era pequena que sempre me ajudava a passar as fases no Super Nintendo – aliás, Gabriel, se um dia você ler isso, não se preocupe, hein? Pura ficção), não encontrei nenhum conhecido na rua recentemente, e não tô nem aí se não gostam da minha camisa do Paramore.

domingo, 11 de setembro de 2011

Qual é o ponto?

A única coisa que percebo, a princípio, é o barulho engraçado das solas dos meus All Stars gastos contra o chão – tap, tap, tap, tap. Meus pés escolhem esses caminhos sem me perguntar. E esse ritmo também, na verdade. Eles sentem a urgência antes que eu mesma tenha tido tempo de processá-la. Eles correm e não ligam se eu tenho dificuldade para acompanhar, desde que acompanhe.

Geralmente eu perco a conta de quantas vezes foi por um triz. De quantas vezes desviei na última hora porque me precipitei, ou de quantas vezes aquele momento de hesitação teve que ser compensado com mais urgência do que meus pés já tinham assumido. Esses pequenos momentos de risco, de quase, sempre me fazem questionar se o resultado compensa isso tudo.

Minhas pernas sempre reclamam. Minha barriga também. Inevitavelmente eu respiro pela boca – gente com os sinos nasais afetados precisando de mais oxigênio vai invariavelmente apelar pra esse recurso – e aquela dorzinha na lateral da barriga sempre vem me fazer companhia, dando um alô a cada inspiração.

Isso sem falar na figura ridícula que eu faço. Aquela mochila enorme e pesada balançando às costas, me fazendo desengonçada e me atrasando. A calça caindo, quase sempre, me deixando praticamente nua – talvez nem tanto, tudo bem, mas a sensação é de total exposição -, e o único jeito que tenho de evitar isso é aumentando o ridículo da minha situação e correndo enquanto seguro a calça.

Aí aparece aquele buraco ordinário – aquele, que sempre aparece enquanto a gente corre e tudo a nosso redor é um mero borrão – e eu afundo meu pé com tudo. Estico os braços como um pássaro para tentar recuperar o equilíbrio, mandando a calça – e tudo o mais - às favas. E aquele momento em que meu coração resolve parar, em que meu corpo fica suspenso no ar, aquele é um momento em que dá pra achar um pouco de paz. Enquanto meu corpo cai – lá vem o clichê – em câmera lenta e descreve um arco, tão gracioso quanto possível com uma mochilona nas costas, no ar, eu sei que não há nada que eu possa fazer a respeito disso. Deixo para a inércia e para a gravidade a tarefa tão urgente de me impulsionar adiante e aproveito a sensação de quase vôo, de liberdade. De paz.

Mas cedo demais meus pés tocam o chão de novo – as solas dos tênis fazendo taps particularmente altos – e meus pés retomam o controle, correndo com ainda mais urgência, a despeito da dor insistente na minha barriga, da queimação no meu nariz por causa do ar seco demais, das reclamações das minhas pernas de que já basta de correr, da mochila balançando pra cá e pra lá nas costas, da calça caindo, da dor do tornozelo machucado pelo buraco ordinário. Apesar de desejar com todas as forças voltar para aquela sensação libertadora, ou pelo menos parar de correr, apesar de odiar tudo o que se relaciona àquela atividade dolorosa para o meu corpo e minha moral, apesar de mal me lembrar de quando e por que eu comecei com aquilo, eu continuo correndo, guiada pelos meus pés, que, naquele momento, sabem mais do que eu.

Quando finalmente chego no meu ponto, não há sensação de alegria, nem de vitória, nem de ter conseguido vencer uma etapa. Só o alívio de ter parado, o consolo barato de saber que fiz apenas o necessário para ter um pouco de conforto que não era assim tão necessário, uma necessidade louca de descansar e a pergunta ainda mais ordinária que aquele buraco: será que valeu a pena?

Às vezes tenho a impressão de que estou constantemente correndo pra pegar ônibus, e eu não podia muito bem ir andando?