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sexta-feira, 25 de março de 2011

Ponto de vista

Ele era o adolescente "estranho". All star, camisa xadrez mesmo no verão e fones sempre no ouvido, tocando Belle & Sebastian. Se considerava a pessoa descrita em Expectations, exceto pelo fato de que era um garoto, e se matinha a distância dos bobalhões de tênis chiques que ouviam música pop. Eles faziam piada do seu jeito recatado e da arte que ele apreciava. Babacas! Não tinham competência para entender, então desdenhavam.

Cresceu, casou-se, e esposa anunciou que estava grávida. Imediatamente, viu seu menininho vestindo uma camiseta do Velvet Underground, com aqueles mini all stars nos pés. Esperou ansiosamente pelo fim dos nove meses, alimentando o sonho. O menino veio, para a sua alegria, e deus os primeiros passos guiado pelo pai.

Quando fez sete anos, pediu para entrar no futebol. O pai, que não era fã de esportes, relutou, mas acabou cedendo, pela saúde do menino. Esse foi apenas o primeiro desentendimento.

O menino só queria saber de ver TV e jogar futebol. Não curtia música, cinema ou literatura. Na pré-adolescência, cedeu ao bombardeio da mídia e pediu um iPod de aniversário. O pai comprou e colocou todas as suas músicas preferidas antes de entregar. O garoto formatou o aparelho e pôs a playlist mais tocada da MTV.

Durante os anos seguintes, as brigas eram frequentes enquanto o pai assistia em silêncio agoniado ao filho se tornar o que ele desprezara quando adolescente. Boné de aba reta, correntinha no pescoço, tênis de skatista. Quando tentava fazer com que o filho assistisse a algum de seus filmes preferidos, o rapaz ria e dizia que o filme era chato e sem sentido.

Pesaroso, ele concluiu que se filho estava se tornando um babaca. E que tinha que fazer algo a respeito daquilo.

No dia seguinte à sua conclusão, chamou o filho para conversar quando ele chegou da escola.

O garoto chegou animado, mas fechou a cara quando o pai disse que não gostava de seus amigos, e estourou quando disse que suas roupas e músicas eram ridículas e vazias.

- Eu me identifico com elas! – ele replicou. – Isso faz de mim um cara vazio também?

- Faz! É justamente esse o problema! – o pai falou com frieza assustadora. O rosto do rapaz se avermelhou e ele começou a tremer.

- Por que você se esforça tanto para me fazer igual a você e menospreza quem eu sou? Não somos todos iguais!

O pai recuou um passo, como se tivesse levado uma bofetada. Teve um flashback de um adolescente magrelo numa camisa xadrez gritando aquelas mesmas palavras para um grandalhão que lhe atirava um balão d'água. Depois percebeu que o grandalhão se parecia com ele e estremeceu.

Olhou para o filho, zangado e magoado, e por um instante voltou à adolescência.

Ele encerrou a discussão naquele ponto e, daquele dia em diante, as brigas cessaram.

-x-

Gente, pode comentar, eu não mordo. (Adicionado em 25/03/2011 às 19:47)

sábado, 12 de março de 2011

Para o menino da tatuagem na panturrilha

A @melissish veio me mostrar esse texto que ela escreveu. Eu adorei e emprestei o espaço do blog pra ela postar, porque sou uma boa samaritana e porque adoro colocar outras vozes aqui. Tenho uma tag só pra isso, aliás!

Eu passeava pela casa prendendo o cabelo e pensando em como ele podia ser menos loiro, com sorte menos liso e que podia prender mais fácil. Entrei no quarto, e antes de fechar as portas do armário pra econder a bagunça, eu juro, vi você ali, lendo um dos meus livros e com a cara de sono mais linda do mundo. E, antes que você pudesse dizer qualquer coisa, qualquer reclamação sobre a minha mania boba de manter os livros organizados pelo tamanho, eu ia te pedir num tom sério pra você não abri-los num ângulo maior que 65º, por favor, já era a milésima vez que eu te pedia isso. E eu ia me esforçar ao máximo pra não começar a rir, só pra ver você rir bem lindo sobre a minha seriedade incoerente e displicente.

Eu fazia questão de escovar os dentes na sua frente, de às vezes não dar bom dia pros seus vizinhos no elevador, de sair de havaianas, pra que você visse que eu não era perfeita como você dizia. E fazia questão também de reclamar do seu cabelo mal penteado e das suas manias de organização e da sua falta de paciência, pra que você não achasse que era tão perfeito quanto na verdade era.

Não me doeu quando eu substituí as suas fotos nos porta-retratos, joguei fora o nosso primeiro ingresso de cinema nem quando eu mudei seus contatos no celular. É que tem tanto de você em mim que algumas coisas pequenininhas assim não fazem muita diferença. O sofá da sala, por exemplo, é todinho seu. O copo azul do homem aranha não podia ser de mais ninguém além de você. E a janela da sala? Era pra lá que você ia quando a gente discutia por qualquer motivo, era pra lá que você ia quando tava com algum problema e era pra lá que você ia quando o meu time ganhava.

Outras mudanças foram feitas devagarzinho, pra que a casa se acostumasse aos pouquinhos com a sua ausência. Não tem mais porquê manter uma coleção de filmes do Almodóvar na estante embaixo do dvd. Nem motivo pra esperar você me buscar pra gente almoçar. Semana passada eu jantei biscoito recheado quase todos os dias, porque sabia que não ia ter você pra reclamar. E quando as calorias desses biscoitos chegarem, também não vai ter você pra dizer que me prefere assim, mais com cara e corpo dos quase dezessete anos que eu tenho.

Mas olha, eu me sinto muito bem por ter que enfrentar a escuridão das noites de sábado sozinha. E por ter que aprender quando a gente deve comprar outra resistência e quando deve-se mesmo comprar outro secador de cabelo – e em ficar feliz com isso. Porque foi de tanto conviver com você e com esses dois mundinhos castanhos escuros que você leva no rosto que eu aprendi a enxergar várias outras coisas bonitas também. E toda vez que eu entro no quarto e vejo os meus livros organizados eu fico feliz em saber que foi com você. Só podia ter sido com você.