sábado, 12 de junho de 2010
Valentine's Day (a.k.a. "Não consegui pensar em nenhum título mais criativo")
domingo, 6 de junho de 2010
Talvez
(obs: tô brigando com essa formatação tem duas semanas. Vai ter que ficar assim)
O garoto respirou fundo e baixou os olhos para os papéis que tinha nas mãos. Sentiu a nuca suada; fechou os olhos. Respirou fundo mais uma vez. "Agora ou nunca", sussurrou para si mesmo.
Então dobrou a esquina e caminhou até o portão violeta do prédio de três andares. Segurando apertado as folhas, ele passou a mão no cabelo e encarou o interfone. 201. Ele sabia o número desde os seis anos de idade. Desde os dez, não tinha vergonha de apertar aquele botão. Agora a ideia fazia suas palmas suarem e sua garganta secar.
Olhou por cima do ombro. Ele podia simplesmente dar meia volta e ir embora. Pensou nisso; chegou a dar um passo. Mas mudou de ideia e, antes que pudesse hesitar, esticou o indicador e apertou o botão.
Um décimo de segundo depois, desejou não ter feito aquilo. Agora ele teria que falar.
Engoliu em seco e olhou para os papéis de novo. Estava tudo ali, era só ler. Não, ler não! Tinha que ser espontâneo! Tinha que ser natural, como tudo sempre era com ela. Como as risadas e a diversão. Como o sentimento que surgira de repente e fora crescendo de fininho, até ficar fora de controle.
Ele bufou. Passou a mão pelo cabelo de novo. Parecia que uma eternidade havia se passado, mas ele sabia que provavelmente não tinha sido nem um minuto. Começou a se perguntar se não havia ninguém em casa. O pensamento começou a desesperá-lo, até que atenderam o interfone.
A voz de uma senhora idosa perguntou quem era. O garoto hesitou. Não sabia mais o que dizer, se pedia para subir ou se perguntava pela amiga. De repente esqueceu tudo o que pensara em dizer - e agradeceu a si mesmo pela ideia de anotar tudo. Mais uma vez, centenas de minutos se espremeram em apenas um. Ele revirou os papéis, apressada e desajeitadamente, procurando por algo para dizer.
A voz da senhora idosa perguntou mais uma vez quem era. Ele desistiu das anotações e se identificou. Perguntou pela amiga, pediu que ela descesse. As palmas suavam mais do que nunca; o coração batia descompassado – o garoto o sentia na garganta, quase saindo pela boca. "Calma, você consegue falar. É fácil", ele tentou se tranquilizar, mas sabia que, quando avistasse os longos cabelos castanho-claros e os olhos azuis que tantas vezes o visitaram em sonho, toda a coragem que ele tentara reunir iria embora.
Ele ouviu a senhora suspirar pesadamente, e sentiu um mau pressentimento. Seu estômago afundou de repente, e ele começou a se perguntar se teria sido mesmo uma boa ideia. Sua resposta naquele momento era não.
- Ô, meu filho, ela não conseguiu te avisar, não? O voo dela foi antecipado.
A voz sumiu; a garganta se fechou; os papeis caíram no chão quando as palmas se abriram de surpresa. Ele encarou o interfone enquanto tentava se forçar a acreditar no que ouvira. O estômago parecia ter acabado de passear numa montanha-russa, de tanto que se revirava. Ele ouviu a senhora chamar seu nome uma vez. Piscou com força e tentou verbalizar uma resposta.
- Antecipado? Quer dizer que ela já foi?
- É. Já deve estar voando a essa hora.
- Ah... Eu queria falar com ela antes de ela ir... Me despedir direito. Mas obrigado.
A voz estava estranha, denunciando o choro que estava começando. Ele se odiou naquele momento, por vários motivos.
- Sinto muito, meu filho. Ela teria te avisado, mas a mudança foi muito em cima da hora. Mas ela vai passar alguns finais de semana por mês aqui. Quando estiver na cidade, vocês podem sair juntos! – ele ouviu a senhora tentando animá-lo, percebeu o tom de compaixão na voz dela.
- Acho que sim. Obrigado. – tentou forçar a voz a sair normal, mas ainda assim não conseguiu esconder o choro. Girou nos calcanhares e caminhou a passos lentos até o fim do quarteirão. Quando dobrou a esquina, apoiou-se na parede e deslizou até estar sentado.
Desistiu de lutar inutilmente contra as lágrimas que forçavam seu caminho pelas pálpebras cerradas e deixou que elas caíssem. Soluços sacudiam seu corpo, e por alguns momentos ele se concentrou apenas em chorar. Quando o controle começou a voltar, ele ergueu o rosto dos joelhos e esfregou os olhos com os braços. Jogou a cabeça para trás, apoiando-a na parede, e simplesmente deixou que as lágrimas corressem, enquanto o pensamento voava.
Ele tivera o ano inteiro para dizer. Passara incontáveis noites em claro, imaginando situações em que reunia coragem e contava. Deliciava-se em sonhar que ela responderia sim; seu coração batia mais forte quando ele pensava nisso. Mas quando, pelo contrário, lembrava-se da possibilidade de um não, ele batia dolorosamente. E essa dor o impedia de abrir a boca quando estava perto dela.
No meio do ano, decidiu que faria alguma coisa. E aí começou com os bilhetinhos anônimos. Bilhetinhos, cartas, poemas – tudo o que não tinha coragem para mostrar para mais ninguém. Nenhum deles assinado, pelo menos não com o seu nome. Passara mais noites em claro criando anagramas e códigos com o seu nome, numa tentativa de contar, sem contar.
A amiga, inocente e desavisada, sempre mostrava para ele. "Olha o que eu achei na minha mochila ontem!", ela dizia, com os olhos brilhando e um sorriso no rosto. Lia o conteúdo do papel para ele, depois apertava a folha contra o peito e sorria, se perguntando quem poderia ser. Em inúmeras situações dissera que queria conhecê-lo. O menino perguntava se ela não tinha medo de se decepcionar com o escritor anônimo, e ela sempre sacudia a cabeça e dizia que não, sorrindo. "Quem quer que escreva assim", ela dizia, "tem que ser alguém muito sensível... alguém de quem eu já gosto muito".
Ele quase contava – mas sempre só quase. A coragem sempre faltava no último segundo. Porque, por mais que ela dissesse que gostava do escritor, ela tinha certeza de que não era o amigo. Caso contrário, não mostraria os papéis para ele.
Quando ela dissera que no fim do ano iria se mudar, foi como se o mundo estivesse ruindo. Eles eram amigos desde os cinco anos, ela não podia simplesmente ir embora assim. Mas não tinha outro jeito, eram questões complicadas – ou questões simples que os adultos complicavam.
Ele se decidiu: "vou contar". Quem sabe, se ele contasse, ela poderia ficar. E, se a resposta dela fosse não, não fazia tanta diferença. Ia doer, sim. Mas ela não estaria por perto para lembrá-lo disso. O clima entre eles não ficaria tão estranho.
Então ele passou os dois últimos meses tentando reunir coragem. Todo dia juntava um pouquinho, mas, na hora de dizer, ele mudava de ideia e decidia esperar um pouco mais pela "oportunidade perfeita". E o resultado fora que, de tanto esperar, deixara várias oportunidades "imperfeitas" passarem e acabara sem oportunidade nenhuma.
O menino se levantou, apoiando-se na calçada. Bateu as mãos uma na outra para limpá-las, depois secou o rosto com o braço de novo. Colocou o capuz do moletom na cabeça e enfiou as mãos nos bolsos, como fazia sempre que estava triste. Começou a caminhar, arrastando os pés, ainda fungando um pouco. Tentou se distrair, para não chegar chorando em casa e levantar perguntas.
Ele passara o ano inteiro achando que, se não contasse, não doeria tanto quanto se contasse e ouvisse um não, porque pelo menos havia a possibilidade de um sim. Mas, no fim das contas, estava sendo pior. Ele desejava ter sido um pouco mais forte, mais corajoso. Agora, não tinha nem a felicidade absurdamente grande de um sim, nem a dor esmagadora de um não. Ao invés disso, estava preso na incerteza angustiante de um talvez.