O ruído da porta se abrindo se repete mais uma vez. O garoto vira o rosto sem esconder sua ansiedade, e deixa claro o seu desapontamento quando vê quem chegou. É uma garota de cabelos loiros logo abaixo do queixo, usando um vestido branco com bolinhas azul-escuro. Ele suspira. Não é ela.
Vira-se novamente para o atendente do bar, acompanhando com os olhos dois copos de alguma bebida que eram entregues a um outro garoto. Decidido, diz:
- Me dá um também.
- Um de quê? – o barman estranha. Ele conhece o garoto, sabe que ele não é de beber.
- Qualquer coisa. Alguma coisa com álcool.
O barman franze as sobrancelhas, mas não diz nada. Ignora o fato de o garoto ter apenas 17 anos – o dono da festa disse que a bebida estava liberada, então ele só está seguindo instruções. Prepara rapidamente um coquetel: laranja, pêssego, e uma quantidade muito pequena de vodka (ele não quer deixar o menino bêbado), e entrega o copo.
O menino olha para o copo de bebida alaranjada. Não sabe por que está fazendo aquilo. Não gosta de beber, não acha o gosto de álcool bom e se orgulha de dizer que nunca ficou bêbado. Mas alguma coisa acendeu nele a vontade de experimentar aquilo. Então ele suga o primeiro gole pelo canudinho.
O gosto forte do álcool é a primeira coisa que ele sente, e ele quase engasga com a pressa de engolir. Arrepende-se de ter pedido aquela bebida, e pensa em devolvê-la. Mas depois que o gosto de álcool diminui, ele sente outros gostos: laranja, talvez, e pêssego. Ele não gosta de pêssego, mas até que não está ruim. Ele toma coragem e suga mais um pouco pelo canudinho.
Mais uma vez, o gosto do álcool se sobrepõe aos outros. É amargo, talvez; indescritível, mas não de um jeito bom. Dessa vez o menino tenta engolir mais devagar, saborear mais a bebida. Depois que o álcool diminui, ele só consegue sentir o gosto do pêssego.
Engole com uma careta. Dos três ingredientes daquela bebida, ele não gosta de dois. Dessa vez, decide-se: não quer mais. Com outra careta, empurra o copo para o meio do balcão e se vira para o barman - mas, mais uma vez, a porta se abre. Mais alguém chega à festa. Ele vira o rosto novamente, esperançoso. Dessa vez é uma garota baixinha de cabelos pretos bem curtos e olhos verde-folha.
Não é ela. De novo.
A esperança se vai com um suspiro. Ele encara os olhos verdes da menina com intensidade, até que ela lança um sorriso envergonhando, provavelmente pensando "quem é esse esquisito me encarando?". O menino abaixa os olhos, pega o copo no balcão e o encara. Sem pensar muito, toma outro gole. O álcool queima sua garganta pela terceira vez, mas agora não é tão ruim. Ele começa a sentir um gosto um pouco doce. E, de qualquer forma, é melhor do que o gosto de bile que está começando a impregnar sua garganta.
Ele suspira e sorve mais um pouco do líquido alaranjado enquanto reflete sobre o estado miserável em que se encontra. Nunca bebeu antes – nunca! E agora está ali, bebendo por causa de uma mulher. Mas não é qualquer mulher: é ela. A única capaz de, com apenas um olhar, fazer o chão se abrir sob os pés dele.
Outro suspiro, outro gole. O gosto do álcool já está parando de incomodar. Está quase bom. Ele começa a assistir o movimento da festa, com o copo na mão. Alguns meninos batem papo aos berros num canto; algumas meninas tentam conversar com o rosto perto do ouvido da outra. Um grupo grande de pessoas passando mal se aglomera perto do banheiro; e a pista de dança está lotada.
Ele vai bebendo enquanto observa, distraído. Quando se dá conta, bebeu todo o conteúdo do copo. Vira no banco para o balcão; pede outro coquetel.
- Coquetel é bebida de moça. - diz um amigo parado perto do rapaz, bebedor inveterado. O amigo se surpreende que ele esteja bebendo, mas festeja. Pede dois Cuba Libres; dá um dos copos para o ele. O rapaz brinda alegremente com o amigo e dá um grande gole. Engole com força, sorri. Não faz a menor ideia do que está ali, e não gosta tanto assim do gosto, mas “que se dane”. É bom. Faz com que ele se sinta melhor.
Bebe mais um gole, pequeno, dessa vez, e se levanta, com o copo na mão. Diz que quer dançar. O amigo apoia. Passa o braço pelo pescoço do rapaz e vai levando-o para a pista de dança, gritando junto com a música. Os dois cruzam o salão aos pequenos pulos, chamando atenção. “Um mais chapado que o outro”, pensam os amigos.
A festa vai se desenrolando e o rapaz na pista de dança, sem se preocupar com mais nada além do nível da bebida em seu copo. Já há muito tempo ele parou de “vigiar” quem chega. Dane-se; ele só quer curtir a festa agora.
Alguém o convida para “sei-lá-o-que de burro”. Envolve pinga, sal, e limão na boca dos outros. Envolve álcool. Ele topa. Entra na fila e observa quem vai antes dele, para entender como funciona.
Seu limão acaba ficando com uma menina até bonitinha. Ele sorri para ela, ergue as sobrancelhas, e então começa. Lambe o sal da palma e vai pegar o limão. A fruta escorrega, e ele se esforça para pegá-la, sob os gritos das pessoas ao redor. Ele se esforça tanto que fica completamente alheio ao fato de que a porta acaba de se abrir, e uma pessoa entra.
Ela.
A menina que causou tudo isso; a menina que ele tanto esperava.
Ela entra, cumprimenta a aniversariante, pede desculpas pelo atraso. Procura um lugar para deixar sua bolsa e então esquadrinha o salão com o olhar, para ter uma imagem da festa. Procura por suas amigas, e então o encontra. Ele. No meio da aglomeração. Virando um copo de pinga.
Ela sente um certo gosto de bile na garganta. Não sabia que ele bebia; achava que não. Achava que ele era diferente dos outros garotos. Que ele era maduro o suficiente para estar acima dessa mania de beber até passar mal por achar que é bacana. Mas aparentemente ela está enganada. Aparentemente ele é só mais um idiota.
No fundo ele não é. No fundo ele só está fazendo isso por desespero de que ela jamais perceba que ele é um bom garoto. Porque, quando olha para ele, parece não o ver.
E agora, que ela finalmente decide vê-lo, ele não deixa.