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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Abuso de Poder

Ser um escritor não quer dizer apenas escrever textos literários. Não é escutar os sussurros apenas dos seus personagens. Muitas vezes, é escutar seus próprios surrurros, e encontrar sua própria voz.
As pessoas logosóficas vão enteder pra quem é esse texto, e eu ainda vou pregá-lo no mural da escola. Mas, enquanto ainda preciso dos meus pontos, vamos ficar por aqui.

Você não pode nos tratar assim. Você não pode calar nossa voz. Ah, mas o verbo “poder” tem significados demais. Você não deve nos tratar assim. Poder, você pode. Você tem esse poder. Mas por quê?

Idade não quer dizer experiência. Idade não quer dizer respeito. Respeito é algo que se conquista com tempo de convivência, não tempo de vivência. Respeito é algo mútuo.

Hierarquia não quer dizer direito. Quer dizer acordo, compromisso, e responsabilidade. Responsabilidade com os seus deveres, responsabilidade como chefe com os seus subordinados. Responsabilidade de ser respeitoso.

Poder não quer dizer que pode. Poder quer dizer que você deve ser cauteloso, e que alguém te concede permissão para fazer alguma coisa. Não há poder sem permissão; não há permissão sem confiança; não há confiança sem respeito.

Não há poder sem respeito.

Somos jovens, mas temos senso de justiça. Somos jovens, mas temos voz. Somos jovens; erramos. Não temos tanta experiência. Mas valorizamos muito e tiramos muito aprendizado das poucas que temos. Talvez essa seja a diferença entre nós.

Merecemos respeito. Você é nossa superior? Não. Não somos inferiores a você; nem mesmo hierarquicamente. Pois não existe nada como hierarquia. Existe um contrato social, em que concedemos a você poder de tomar algumas decisões. Nós te damos permissão - mas não há permissão sem respeito.

Somos jovens, mas temos senso de justiça.

Somos jovens, mas não somos diferentes de você.

Somos jovens, mas temos voz.

sábado, 21 de agosto de 2010

Mais um copo, por favor

O ruído da porta se abrindo se repete mais uma vez. O garoto vira o rosto sem esconder sua ansiedade, e deixa claro o seu desapontamento quando vê quem chegou. É uma garota de cabelos loiros logo abaixo do queixo, usando um vestido branco com bolinhas azul-escuro. Ele suspira. Não é ela.

Vira-se novamente para o atendente do bar, acompanhando com os olhos dois copos de alguma bebida que eram entregues a um outro garoto. Decidido, diz:

- Me dá um também.

- Um de quê? – o barman estranha. Ele conhece o garoto, sabe que ele não é de beber.

- Qualquer coisa. Alguma coisa com álcool.

O barman franze as sobrancelhas, mas não diz nada. Ignora o fato de o garoto ter apenas 17 anos – o dono da festa disse que a bebida estava liberada, então ele só está seguindo instruções. Prepara rapidamente um coquetel: laranja, pêssego, e uma quantidade muito pequena de vodka (ele não quer deixar o menino bêbado), e entrega o copo.

O menino olha para o copo de bebida alaranjada. Não sabe por que está fazendo aquilo. Não gosta de beber, não acha o gosto de álcool bom e se orgulha de dizer que nunca ficou bêbado. Mas alguma coisa acendeu nele a vontade de experimentar aquilo. Então ele suga o primeiro gole pelo canudinho.

O gosto forte do álcool é a primeira coisa que ele sente, e ele quase engasga com a pressa de engolir. Arrepende-se de ter pedido aquela bebida, e pensa em devolvê-la. Mas depois que o gosto de álcool diminui, ele sente outros gostos: laranja, talvez, e pêssego. Ele não gosta de pêssego, mas até que não está ruim. Ele toma coragem e suga mais um pouco pelo canudinho.

Mais uma vez, o gosto do álcool se sobrepõe aos outros. É amargo, talvez; indescritível, mas não de um jeito bom. Dessa vez o menino tenta engolir mais devagar, saborear mais a bebida. Depois que o álcool diminui, ele só consegue sentir o gosto do pêssego.

Engole com uma careta. Dos três ingredientes daquela bebida, ele não gosta de dois. Dessa vez, decide-se: não quer mais. Com outra careta, empurra o copo para o meio do balcão e se vira para o barman - mas, mais uma vez, a porta se abre. Mais alguém chega à festa. Ele vira o rosto novamente, esperançoso. Dessa vez é uma garota baixinha de cabelos pretos bem curtos e olhos verde-folha.

Não é ela. De novo.

A esperança se vai com um suspiro. Ele encara os olhos verdes da menina com intensidade, até que ela lança um sorriso envergonhando, provavelmente pensando "quem é esse esquisito me encarando?". O menino abaixa os olhos, pega o copo no balcão e o encara. Sem pensar muito, toma outro gole. O álcool queima sua garganta pela terceira vez, mas agora não é tão ruim. Ele começa a sentir um gosto um pouco doce. E, de qualquer forma, é melhor do que o gosto de bile que está começando a impregnar sua garganta.

Ele suspira e sorve mais um pouco do líquido alaranjado enquanto reflete sobre o estado miserável em que se encontra. Nunca bebeu antes – nunca! E agora está ali, bebendo por causa de uma mulher. Mas não é qualquer mulher: é ela. A única capaz de, com apenas um olhar, fazer o chão se abrir sob os pés dele.

Outro suspiro, outro gole. O gosto do álcool já está parando de incomodar. Está quase bom. Ele começa a assistir o movimento da festa, com o copo na mão. Alguns meninos batem papo aos berros num canto; algumas meninas tentam conversar com o rosto perto do ouvido da outra. Um grupo grande de pessoas passando mal se aglomera perto do banheiro; e a pista de dança está lotada.

Ele vai bebendo enquanto observa, distraído. Quando se dá conta, bebeu todo o conteúdo do copo. Vira no banco para o balcão; pede outro coquetel.

- Coquetel é bebida de moça. - diz um amigo parado perto do rapaz, bebedor inveterado. O amigo se surpreende que ele esteja bebendo, mas festeja. Pede dois Cuba Libres; dá um dos copos para o ele. O rapaz brinda alegremente com o amigo e dá um grande gole. Engole com força, sorri. Não faz a menor ideia do que está ali, e não gosta tanto assim do gosto, mas “que se dane”. É bom. Faz com que ele se sinta melhor.

Bebe mais um gole, pequeno, dessa vez, e se levanta, com o copo na mão. Diz que quer dançar. O amigo apoia. Passa o braço pelo pescoço do rapaz e vai levando-o para a pista de dança, gritando junto com a música. Os dois cruzam o salão aos pequenos pulos, chamando atenção. “Um mais chapado que o outro”, pensam os amigos.

A festa vai se desenrolando e o rapaz na pista de dança, sem se preocupar com mais nada além do nível da bebida em seu copo. Já há muito tempo ele parou de “vigiar” quem chega. Dane-se; ele só quer curtir a festa agora.

Alguém o convida para “sei-lá-o-que de burro”. Envolve pinga, sal, e limão na boca dos outros. Envolve álcool. Ele topa. Entra na fila e observa quem vai antes dele, para entender como funciona.

Seu limão acaba ficando com uma menina até bonitinha. Ele sorri para ela, ergue as sobrancelhas, e então começa. Lambe o sal da palma e vai pegar o limão. A fruta escorrega, e ele se esforça para pegá-la, sob os gritos das pessoas ao redor. Ele se esforça tanto que fica completamente alheio ao fato de que a porta acaba de se abrir, e uma pessoa entra.

Ela.

A menina que causou tudo isso; a menina que ele tanto esperava.

Ela entra, cumprimenta a aniversariante, pede desculpas pelo atraso. Procura um lugar para deixar sua bolsa e então esquadrinha o salão com o olhar, para ter uma imagem da festa. Procura por suas amigas, e então o encontra. Ele. No meio da aglomeração. Virando um copo de pinga.

Ela sente um certo gosto de bile na garganta. Não sabia que ele bebia; achava que não. Achava que ele era diferente dos outros garotos. Que ele era maduro o suficiente para estar acima dessa mania de beber até passar mal por achar que é bacana. Mas aparentemente ela está enganada. Aparentemente ele é só mais um idiota.

No fundo ele não é. No fundo ele só está fazendo isso por desespero de que ela jamais perceba que ele é um bom garoto. Porque, quando olha para ele, parece não o ver.

E agora, que ela finalmente decide vê-lo, ele não deixa.