Páginas

sábado, 21 de maio de 2011

Adoecente

(antes que vocês julguem título, ele é metalinguístico)

- Acho que tô ficando doente. – a garota fala com a testa colada no vidro enquanto encara as nuvens negras no céu. Ela é uma estudante universitária; começou o curso há não muito tempo e desde então teve sua vida virada do avesso.

Se mudou, porque a universidade não é na cidade em que morava. Agora não vive com papai e mamãe e toda a roupa suja fica por conta dela. Aprendeu a pegar ônibus, cozinha sem pôr fogo na casa, paga suas próprias contas – ela, que não sabia operar um caixa rápido. Em resumo, cuida de tudo, pensa em tudo.

No presente momento, ela está pensando se vai adoecer ou não. Sabe que algum tempo atrás houve uma epidemia de alguma coisa que esvaziou a sala pela metade por duas semanas. Sabe que a mochila está pesada sobre os ombros, apesar de não estar tão cheia. Sabe também que o vidro da janela está frio contra sua testa e que, mesmo de blusa de frio, ela está tiritando. E isso acaba sendo o bastante para que conclua que, talvez, amanhã seja melhor fica na cama.

Nossa amiga não sabe muitas coisas a respeito de si mesma. Às vezes, bem às vezes, é realmente capaz de dizer se está adoecendo, mas não sabe dizer sequer que tipo de doença é essa. Se ela se conhecesse um pouco melhor saberia que ficar na cama só vai piorar sua situação. Está ficando doente, sim, mas não da epidemia que debilitou seus colegas, nem do frio que traz o resfriado anual. Na verdade, não é bem uma doença: é mais uma síndrome, algo que, de certa forma, a acompanha há um tempo.

Por que, então, ela se sente adoecendo agora? Porque até pouco tempo atrás sua síndrome era remediada, amenizada, pela presença e atuação de seus pais. Agora cabe a ela ministrar a aplicação do remédio, mas ela não sabe como fazer isso – é essa uma das poucas coisas que ainda não aprendeu. E então a síndrome se torna algo que ela não pode mais ignorar, os sintomas a debilitam e a fazem pressionar a testa contra o vidro frio da janela e meditar sobre sua saúde.

A porta do elevador se abre com ruído. Ela sai de seus pensamentos e caminha até ele sem pensar muito, olha para frente e uma pessoa a encara. Uma garota com cara de cansada, olhos quase fechados, mochila nas costas e um moletom.

- Nossa, tenho que parar de ir dormir tarde. – ela fala para seu reflexo, depois suspira pesadamente. Ah, se nossa amiga soubesse tanto de si quanto nós sabemos! Ela seria capaz de reconhecer essa fala e esse suspiro como sintomas da sua patologia, sinais de que a síndrome está ficando mais forte. E ela estaria um pouco mais próxima da cura, porque, afinal, o tratamento não começa sem o diagnóstico.

Queria eu soprar isso tudo ao pé do seu ouvido, mas não posso. E se pudesse, ela não ouviria. Os fones de ouvido estão plantados fundo, enquanto ela se pergunta se deve ou não ficar na cama amanhã.

4 comentários:

  1. Ficar na cama a principio pode ser muito bom, mais depois percebemos que é tempo perdido. Para curar essa síndrome temos é que dar um tempo pra nós, fazer coisas que gostamos com pessoas que gostamos. Só assim da pra recarregar as energias.


    Beijos moça!

    ResponderExcluir
  2. "Ficar na cama a principio pode ser muito bom, mais depois percebemos que é tempo perdido."
    Exato. Pra mim, o melhor jeito de se curar de alguma coisa é agir como se estivesse bem, sair de casa e fazer um esforcinho pra melhorar.

    Obrigada pelo comentário =)

    ResponderExcluir
  3. Seeensacional como sempre! =)
    É geenial como vc consegue colocar tuudo sem ser direta ao ponto q =))
    sério *-*.
    Muuuito digno o texto! =)
    beeijos:*

    ResponderExcluir
  4. Se o texto começasse com:
    " Acho que tô ficando doente. – O garotO..."
    Eu poderia jurar que foi escrito para mim!

    Paulinha arrasando como sempre!

    :*

    ResponderExcluir