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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Por não ser um ser bruto

Ela lutou contra a vontade de chorar até estar debaixo da ducha do chuveiro. Assim que a água quente escorreu pelo seu corpo nu, e ela sentiu o arrepio do choque térmico, as lágrimas, como se seguissem o exemplo, escorreram pelo rosto contorcido, desnudado e sincero em sua dor.

Sentia-se fraca, como havia muito não se sentia. Os joelhos tremiam, a respiração fraquejava e os ombros balançavam com os soluços incontidos. Era curioso como ela mantinha tudo aquilo no peito durante semanas, se fosse preciso, e não conseguia conter um único soluço que fosse quando estava naquele refúgio.

Riu-se, em meio ao choro, da ironia da coisa. Ali, abraçando a si mesma, encolhida debaixo da água como um animal acuado, era onde se sentia mais protegida e segura. Totalmente exposta e, portanto, vulnerável ao máximo, era apenas ali que ela se sentia confortável o bastante para deixar suas defesas caírem, como as roupas caídas no chão do banheiro, e se revelar por inteiro.

Não. Não era só ali. Ela ouviu o eco da sua risada, rouco e estrangeiro, nas paredes do banheiro enquanto um novo soluço sacudia-lhe o corpo. Havia um único lugar - lugar? - em que ela sentia aquele conforto que a levava a chorar, mas ela jamais voltaria a avistá-lo. Ele estava fora de alcance agora, sempre.

Desejou poder encontrá-lo. Desejou com todas as forças, refez o caminho mentalmente, mas era inútil e ela sabia. Deixou a cabeça tombar para trás e a água quente molhar seus cabelos. A sensação era boa, era completa. De olhos fechados, ela massageou os ombros para desfazer os nós e tentou não pensar.

Quando os soluços pararam e seus joelhos se firmaram, ela, com uma respiração longa, lenta e profunda, desligou o chuveiro, passou a mão na toalha e envolveu seu corpo, saindo do box. Instantaneamente, suas lágrimas cessaram. Com o vapor quente escapando depressa pela janela aberta, o banheiro estava enregelante. Ela sentiu os joelhos fraquejarem e quis se sentar.

- Você pode fazer isso sozinha. - encorajou a si mesma. - Você já sabe todas as palavras de cor, mesmo.

Dando um passo para fora do tapete, pisando no chão frio, ela se postou em frente ao espelho e, por uma fração de segundo, encarou seus olhos - tão seus, tão conhecidos e, subitamente, tão diferentes. No fundo daquelas pupilas verdes que conhecia já havia anos havia algo novo; um caminho desconhecido, a janela para uma outra alma estranhamente familiar. 

Sentiu as lágrimas equilibrarem-se perigosamente em suas pálpebras ao re-conhecer-se no espelho. Seu coração inflou-se de repente, apertando seu peito por dentro de uma maneira calorosa, para poder acomodar melhor o que sentia. 

De fato, ela podia lidar com aquilo sozinha. E a melhor prova era que ela mesma havia se convencido daquilo. Mirou-se novamente no espelho , tentando aprender e apreender cada detalhe do rosto - seu rosto! - que a encarava, as rugas na testa, o queixo erguido, a forma como os lábios se franziam.

Encarou seus olhos mais uma vez. Ainda eram seus, tão seus quanto sempre foram, mas ela encontrou de novo aquele algo mais, o caminho para aquele lugar que, de tanto procurar, acabara guardando dentro de si mesma. Sorriu e recitou para si mesma o velho provérbio chinês - eu ouço e esqueço, eu vejo e me lembro, eu faço e aprendo - que nunca entendera e nunca fora tão verdadeiro quanto naquele momento.

Com passos firmes, ela saiu do banheiro, percebendo pela primeira vez como aquela toalha era curta.

(26/07/2011)

2 comentários:

  1. Que saudades de entrar aqui e ficar lendo seus textos aleatoriamente... (:

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  2. ce arrasa mais a cada dia. cuidado que eu posso resolver te odiar qualquer dia desses. HAHAHAHA
    <3

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